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Censo do Brasil aponta que o Brasil tem 2,4 milhões diagnosticados com autismo. Foto: Luiza de Souza/Estadão
O Brasil conta pela primeira vez com um cálculo oficial da população de pessoas com autismo.
São 2,4 milhões que declararam ter recebido diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) por algum profissional de saúde, segundo dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta sexta-feira, 23/5.
O número equivale a 1,2% da população do País. Estimativas existentes apontam que o número real de pessoas com TEA deve ser maior, diante dos desafios de subdiagnóstico, sobretudo em camadas mais vulneráveis da população.
A Organização Mundial de Saúde caracteriza o transtorno por “déficits persistentes na habilidade de iniciar e manter interações sociais e comunicação social recíprocas, e por uma gama de padrões de comportamento, interesses ou atividades restritos, repetitivos e inflexíveis” que são “atípicos ou excessivos para a idade e o contexto sociocultural do indivíduo”.
O mais comum é que o transtorno se manifeste na primeira infância (fase de zero a seis anos), durante o período do desenvolvimento.
Os sintomas, no entanto, podem não se manifestar plenamente até mais tarde.
Como a condição só passou a integrar o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais nos anos 1980, muitos adultos e idosos podem viver com o quadro sem terem sido diagnosticados.
Até agora, o Brasil se baseava em dados do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos sobre o autismo.
“Com o Censo, a gente tem um dado mais real, mais nosso, que ajuda a pensar mais e com mais afinco essa questão, principalmente de formação e de inclusão dessas pessoas com autismo”, afirma Nassim Elias, professor do departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos.
“Uma pessoa diagnosticada com autismo vai enfrentar desafios em todos os âmbitos – econômicos, da educação, enfim, da socialização, mercado de trabalho. Quando a gente conhece esses dados, pode pensar em política pública para garantia dos direitos”, diz a coordenadora do Programa do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria da USP, Joana Portolese.
De acordo com o Censo 2022, a prevalência do diagnóstico na população brasileira é maior entre os homens (1,5% deles foi diagnosticado com TEA) do que entre as mulheres (0,9%), e entre pessoas brancas (1,3%), em relação aos outros recortes raciais, o que pode refletir desigualdades de acesso ao diagnóstico.
Os dados também indicam que 43% da população diagnosticada com autismo está concentrada na Região Sudeste, em números absolutos.
Por outro lado, os Estados com maior percentual de pessoas diagnosticadas com autismo estão nas regiões Norte e Nordeste: em primeiro lugar o Acre (1,6%), seguido do Amapá (1,5%) e Ceará (1,6%). O percentual entre os Estados varia entre 1% e 1,6%.
Especialistas destacam a diversidade de habilidades de linguagem e funcionalidades intelectuais dos indivíduos com autismo, que vem sendo reconhecida há pouco mais de uma década, quando o termo “espectro” passou a ser utilizado para reforçar a variedade de sintomas e características que podem se manifestar.
A inclusão do quesito sobre autismo no Censo foi determinada por uma lei de 2019.
O relatório divulgado pelo IBGE reconhece as limitações do questionário do Censo para lidar com a questão, dada a avaliação complexa requerida pelo TEA e a amplitude do espectro, o que fez com que o tema fosse incluído sob a forma de uma pergunta única: “já foi diagnosticado(a) com autismo por algum profissional de saúde?”
Para a coordenadora do Programa do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria da USP, os dados do Censo também podem ser importantes para justificar a formação especializada no tema de diferentes profissionais de saúde.
“Esses dados levantam a necessidade de que (o TEA) possa estar na grade curricular, da medicina, da psicologia, da fisioterapia, da pedagogia, porque além do diagnóstico, tem um plano de tratamento para o autismo que envolve uma equipe multiprofissional”, diz Portolese.
Brasil tem mais de 760 mil estudantes com autismo
Conforme o Censo, a taxa de escolarização da população com autismo foi superior (36,9%) à observada na população geral (24,3%).
Isso se dá pela concentração maior da população com autismo na faixa etária mais jovem, com altas taxas de escolarização, que concentram mais da metade da população de estudantes com autismo.
Dos estudantes com 6 anos ou mais, 760,8 mil foram diagnosticados com autismo, o que corresponde a 1,7% do total no País.
A maior parte – 66,8% , totalizando 508 mil – estava matriculada no ensino fundamental regular.
As disparidades ficam mais evidentes quando se observa o nível de instrução de pessoas de 25 anos ou mais diagnosticadas com autismo, em relação às que não têm o diagnóstico.
Na leitura do professor da UFSCar Nassim Elias, a queda na proporção de alunos com autismo nas etapas mais escolares também indicam que eles entram, mas muitas vezes não continuam na escola.
“Isso levanta um alerta de que a gente precisa fortalecer a questão da inclusão, formar profissionais que atuam nas escolas e capacitados para investigar o autismo, até chegar o momento do laudo”, afirma.
“Isso implica que o governo, o MEC, deveriam dar uma atenção maior e investir mais na formação de profissionais da educação para que a gente consiga receber esses alunos e, principalmente, garantir a permanência e a conclusão das formações”.
A ideia de uma educação inclusiva e divergências sobre o papel da escola no desenvolvimento de crianças e adolescentes autistas ainda são alvo de debate no Brasil.
Especialistas avaliam que a inclusão não se efetivou como deveria, ainda que estudantes com TEA estejam matriculados em escolas regulares, com dificuldades que passam pela formação dos professores e de profissionais de apoio.
Além disso, pesa a precariedade do sistema público de ensino, onde está a maioria das crianças com autismo.
Redação CNPL sobre artigo de Juliana Domingos de Lima /OESP
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