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Como as cidades estão se adaptando para enfrentar a crise climática?

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  • 19 de março de 2024

Em Nanchang, na China, o projeto do Fish Tail Park, conduzido pelo escritório Turenscape, idealizador do conceito de Cidade Esponja, tornou o município mais resiliente às mudanças do clima ao transformar a antiga paisagem degradada em uma floresta flutuante de 55 hectares que regula as águas pluviais na região, evitando inundações, fornecendo habitat para a vida silvestre e conectando a população à natureza — Foto: Divulgação

Uma pesquisa divulgada no fim de 2023 pelo Instituto Pólis revelou que sete em cada dez brasileiros já vivenciaram ao menos um evento extremo associado à emergência do clima, e que 98% estão preocupados com novas ocorrências do gênero.

“As pessoas estão vislumbrando uma espécie de ‘novo normal’ com o qual terão que aprender a conviver e se adaptar”, afirma o advogado Henrique Frota, diretor-executivo do instituto.

Diante disso, ele diz, é preciso ressaltar a responsabilidade das cidades pelo clima, afinal, 85% da população brasileira vive nos centros urbanos, cada vez mais adensados, desiguais e escassos de natureza.

Nesses territórios, as transformações são mais urgentes, considerando que o curto intervalo de tempo (entre a chance de reversibilidade e o mais completo caos climático) é nosso maior desafio – e que inclusive as metas do Acordo de Paris (compromisso climático assinado por 185 países em 2015 visando manter o aquecimento global até o final do século abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, com esforços para nos limitarmos a 1,5°C) já têm sido consideradas insuficientes pela Organização das Nações Unidas.

Para estancar o problema, especialistas reforçam a importância de as cidades elaborarem planos de ação climática, em duas linhas de frente complementares: mitigação, que consiste em adotar estratégias de redução de gases de efeito estufa (GEEs), e adaptação, com mudanças mais visíveis na paisagem urbana, especialmente em termos de uso e ocupação do solo, áreas verdes e drenagem de águas de chuva.

“Primeiro, cada cidade precisa realizar um inventário das emissões de GEEs e identificar as áreas que apresentam maior vulnerabilidade e que devem receber intervenções”, explica o internacionalista Ilan Cuperstein, mestre em meio ambiente e desenvolvimento pela London School of Economics e diretor da C40 na América Latina, rede de municípios que apoia prefeituras na construção de soluções para a emergência do clima.

Redução de danos

“Nos últimos cinco anos tivemos uma intensificação dessa pauta e, hoje, pelo menos, mil municípios brasileiros têm alguma ação endereçada ao clima”, pontua o economista e doutorando em ciências ambientais Rodrigo Perpétuo, secretário-executivo da ONG internacional ICLEI – Governos Locais para a Sustentabilidade.

São Paulo, por exemplo, lidera no Brasil a urgente transição para a frota eletrificada no transporte público, com a meta de inserir 2,6 mil ônibus elétricos nas ruas até o final deste ano, contando com mais de 2,5 bilhões de reais financiados pelo Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Já Salvador e Curitiba esperam eletrificar 30% da frota coletiva ainda este ano e até 2030, respectivamente.

“A medida reduz a emissão de GEEs e deve ser priorizada mais do que os carros individuais elétricos, que não resolvem o problema do trânsito”, frisa Henrique Frota.

Outra estratégia interessante na linha da mitigação é requalificar o centro das cidades para ter mais residências.

“A prefeitura do Rio de Janeiro tem se destacado ao recuperar prédios abandonados no centro como uma ação climática, porque isso traz as pessoas para mais perto do trabalho, reduz viagens, emissões de CO² e a demanda por novos prédios em áreas mais afastadas”, avalia Cuperstein, referindo-se ao conceito de Cidade de 15 Minutos, do urbanista Carlos Moreno, pelo qual as necessidades da população devem estar acessíveis a 15 minutos a pé ou de bicicleta – modelo que tem inspirado e mobilizado Paris a se tornar mais sustentável e resiliente.

Entre 2021 e 2022, o programa carioca Reviver Centro resultou em 1.317 unidades habitacionais na região e outras 471 em análise, somando mais do que o volume dos dez anos anteriores.

Para o arquiteto Gustavo Cedroni, sócio-diretor do escritório Metro Arquitetos, à frente de quatro projetos de retrofit no centro de São Paulo, esse tipo de urbanismo que mistura moradia, trabalho, serviços e lazer está alinhado ao desafio climático e existe boa oferta de imóveis com potencial para uso residencial em quase todas as capitais.

“Mas, para ser uma medida mais inclusiva, as prefeituras devem criar programas que incentivem a habitação popular no centro, porque o mercado imobiliário, de olho no lucro, não vai regular isso por conta própria”, alerta.

Em tempo, quando o assunto é emergência climática, a mobilização dos governos locais é fundamental.

Em Florianópolis e no Rio de Janeiro, as prefeituras aderiram ao programa Cidades Eficientes, do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) com patrocínio do Instituto Clima e Sociedade, criado para auxiliar o poder público em ações de redução de gases de efeito estufa.

“O estoque de edifícios públicos das prefeituras, entre escolas, creches, hospitais, unidades de saúde e assistência social, oferece grande potencial para a redução de emissões de CO2 a partir de medidas simples como priorizar lâmpadas de LED e treinar servidores para desligarem computadores do modo stand-by e usarem o ar-condicionado corretamente”, ressalta a engenheira civil Clarice Degani, diretora-executiva do CBCS. ]

“O programa agora precisa conquistar visibilidade para ganhar escala e beneficiar outras cidades”, considera a arquiteta Maria Andrea Triana, doutora em eficiência energética e conforto ambiental e coordenadora técnica do projeto.

Projetado pelo arquiteto modernista Oswaldo Bratke (1907-1997) em 1956 para uso comercial, o histórico edifício Renata Sampaio Ferreira, no centro de São Paulo, passou recentemente por um retrofit (realizado pelo Metro Arquitetos, com gestão da Planta.Inc) para abrigar apartamentos residenciais. Obras desse tipo têm sido incentivadas em algumas capitais como medida de mitigação das emissões de CO2 — Foto: Fran Parente

As cidades precisam elaborar planos de ação climática em duas frentes: mitigação, adotando estratégias de redução de gases de efeito estufa, e adaptação, com mudanças na paisagem urbana em termos de uso e ocupação do solo, áreas verdes e drenagem de águas de chuva

Também no campo da redução de GEEs, capitais como São Paulo e Curitiba têm investido na construção de pátios de compostagem para evitar a emissão de metano, gás de efeito estufa liberado na atmosfera com o descarte incorreto dos resíduos orgânicos.

“São locais apropriados para receber esses resíduos de feiras livres, principalmente, e transformá-los em adubo para plantas, doado à população. Isso ainda fortalece a agricultura urbana, as hortas comunitárias e a segurança alimentar nas cidades”, afirma o engenheiro ambiental Felipe Maia Ehmke, diretor do Departamento de Mudanças Climáticas da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Curitiba, capital que aprovou em 2020 seu plano de ação climática (PlanClima).

Um dos destaques do documento é o Bairro Novo da Caximba, maior projeto socioambiental da história do município, responsável por reassentar 1.147 famílias que viviam em região com alto risco de inundação, às margens do Rio Barigui.

“As famílias estão sendo realocadas a apenas umas poucas centenas de metros, para uma área mais segura e em casas mais dignas”, diz Ehmke.

Além disso, o projeto vai regularizar 546 imóveis, recuperar áreas de preservação permanente e implantar um parque linear e um dique de contenção de cheias.

Natureza como infraestrutura

Tal intervenção ilustra bem a urgência de voltar o olhar para as águas das cidades.

Segundo dados da C40, mais de 90% dos desastres globais estão relacionados a esse recurso.

Todos os dias, mais da metade da população mundial enfrenta inundações ou secas.

Curiosamente, após décadas construindo estruturas de engenharia que retificaram rios, aterraram matas ciliares, derrubaram florestas e impermeabilizaram o solo, pesquisadores e urbanistas têm apostado que a maneira mais eficiente de evitar os efeitos de eventos climáticos extremos é fazer as pazes com a natureza: renaturalizar os centros urbanos e permitir que as áreas verdes e azuis (cursos d’água) sejam parte da infraestrutura dedicada à regulação, contenção e drenagem das águas.

Essa é a essência do conceito de Cidade Esponja, criado pelo arquiteto paisagista chinês Kongjian Yu, cuja equipe no escritório Turenscape e na Universidade de Pequim já desenvolveu mais de mil projetos do gênero em mais de 250 cidades.

“Em escala urbana e comunitária, a ideia é dar mais espaço à água e retê-la no local, desacelerando o fluxo e adaptando-se aos diferentes níveis de água, integrando áreas verdes, solos permeáveis e sistemas inovadores de gestão da água”, esclarece o criador do conceito.

“Dessa forma, é possível mitigar significativamente as inundações urbanas, melhorar a qualidade da água e aumentar a biodiversidade e a resiliência”, relata.

Seu projeto referência é o Dong’an Wetland Park, em Sanya, sul da China, com 68 hectares de infraestrutura verde multifuncional, composta por diques, lagoas, uma rede de caminhos para pedestres sob a copa das árvores e três camadas de paisagem que permitem uma experiência imersiva aos visitantes e são um local de rica biodiversidade.

Saem os carros, entram as bicicletas e as caminhadas: modais de transporte ativo e mais sustentável são parte do atual plano de Paris para reduzir drasticamente suas emissões de gases de efeito estufa – iniciativa inspirada na ideia da Cidade de 15 Minutos, do urbanista Carlos Moreno, para direcionar ações climáticas na capital francesa — Foto: Getty Images/Ondrej Cech

Aqui no Brasil, um conceito semelhante vem ganhando visibilidade, as chamadas Soluções Baseadas na Natureza (SBN).

“Elas podem ser desde um telhado verde em uma residência até os mais de 200 jardins de chuva instalados em São Paulo para reduzir enchentes e os parques lineares com lagos que funcionam como bacias de contenção das águas da chuva, entre outras soluções de bioengenharia”, explica a bióloga Juliana Ribeiro, gerente de projetos de SBN da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Um simples teto verde faz diferença.

“Ameniza bastante o calor. Na minha casa, depois de testes feitos por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, descobrimos que a diferença de temperatura chega a 15 °C em relação ao meu vizinho, que não tem telhado verde”, observa Luis Cassiano Silva, ativista ambiental e produtor cultural, morador da favela carioca do Arará.

Um bom exemplo de SBN é o premiado Parque Orla Piratininga, em Niterói, RJ, com 35 mil m² de jardins filtrantes, mais de 10 km de ciclovias e estruturas de esporte, lazer e apoio à pesca artesanal que mudaram a paisagem da região.

“Antes era uma área inóspita, poluída, usada como lixão. Hoje é um jardim fluido e biodiverso, que trata a água antes de ela chegar às bacias dos rios locais e, ao mesmo tempo, funciona como lazer para a população”, comenta a geógrafa Dionê Marinho Castro, coordenadora do Programa Região Oceânica Sustentável, da prefeitura local. “Com mais biodiversidade, tornamos essa região muito mais resiliente”, conclui.

Projetos assim têm mobilizado a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), que reúne 34 instituições financeiras, entre Banco do Brasil, BNDES, Finep, BRDE, Caixa e outras.

“Temos a linha de financiamento Cidades Mais Resilientes, com taxas de juros bem abaixo da média do mercado, para atender prefeituras e empresas com projetos que respondam às mudanças do clima”, afirma Celso Pansera, presidente da ABDE.

“Só o BNDES e a Finep vão disponibilizar 106 bilhões de reais nos próximos quatro anos”, ressalta.

É tempo de pesquisar e inserir os serviços ecossistêmicos da natureza nas cidades, como remediação e proteção ao que vem por aí. Antes tarde do que mais tarde.

Redação CNPL com informações de expresso.arq.br